quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A necessidade de pertencer

Assistindo o programa, Cidades e Soluçoes, da Globo News, sobre a rede de solidariedade que se criou após a tragédia na serra do Rio, me pus a pensar sobre uma pergunta feita pelo apresentador Eduardo Grillo sobre o que teria motivado o brasileiro a se mobilizar tão fortemente para realizar um trabalho voluntário de ajuda, uma  vez que o trabalho voluntário não é uma tradição do povo brasileiro. 
Taxista Sao Gonçalo transportam donativos - Andre Redlich

Parei então para pensar se concoradava com este ponto de vista. É verdade que se pensarmos em trabalho voluntário nos moldes da sociedade americana, onde ele é quase socialmente obrigatório, pelo menos em doação financeira, o Brasil não tem a mesma tradição. Meus superficiais conhecimentos de sociologia me fazem pensar em Max Weber, e seu clássico a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.


Se há, como há, um “marketing do bem” que promove a solidariedade social,
devemos admitir que a solidariedade se tornou um valor de mercado e um
valor para o mercado. Logo, estamos diante de uma “solidariedade de
mercado”, uma solidariedade que não é bem um sentimento interior, mas uma
imagem de solidariedade. É uma imagem que ganha vida própria e que vai se
associar a outras imagens para valorizá-las - imagens de empresas, de marcas,
de governos, de governantes, de personalidades públicas. A solidariedade,
assim posta, como imagem autônoma e como imagem que reforça outras
imagens, existe no mercado não como um fim que se basta, um fim
desinteressado, mas como um argumento para o consumo [...]. Portanto, esse
tipo mercadológico de solidariedade, [...] “agrega valor” a produtos, marcas,
empresas, pessoas e governos. A solidariedade assim posta, mais que um
valor ético, é um fator de lucro [...] É necessariamente, uma solidariedade
exibicionista (BUCCI, 2004, p. 182).

Com relação a esse exibicionismo, pode-se tomar as considerações de Max
Weber a respeito do americanismo, da ética protestante e do espírito do capitalismo. O
autor comenta o caráter utilitarista das atitudes morais de Benjamin Franklin ao
defender que a honestidade, a laboriosidade ou a pontualidade são úteis porque
asseguram o crédito, razão pela qual são virtudes. Daí Weber depreende que a aparência
de honestidade bastaria quando fizesse o mesmo efeito que a honestidade em si, e isto
fica claro quando Franklin, em sua autobiografia, discute o valor da estrita manutenção
da aparência da modéstia e da depreciação assídua dos próprios méritos com a
finalidade de obter, posteriormente, reconhecimento geral. (WEBER, 1996, p. 32)

Leia a íntegra

Mas este caso não se aplica ao que estamos assistindo em relação a tragédia da região serrana do Rio. Qualquer um, mesmo sem estar fisicamente lá, pode sentir que há um espírito real de solidariedade, e mais do que isso compaixão. E isto é uma tradição católica, no que há de melhor da sua filosofia. Podemos observar em outros eventos da América Católica, como no caso dos mineiros no Chile, que tanto emocionou o mundo. 

O brasileiro de modo geral, especialmente aqueles menos favorecidos, é solidário, sim. E age não pela razão, mas pela emoção. O que não existe no Brasil é uma rede social organizada neste sentido. No meu ponto de vista, por conta das nossas elites, que até muito pouco tempo se mostraram indiferentes, e pior, muitas vezes usaram tragédias como forma de preservação de poder e corrupção, como no caso da seca no nordeste. Isto, sim, nos difere de países protestantes, como os EUA. (Ou não, veja New Orleans).E também acho que é esta mentalidade que está se transformando no Brasil, processo que começou com iniciativas emblemáticas como foi o Fome Zero, do sociólogo Betinho de Souza, a Pastoral da Criança, da Dra Zilda Arns ou a Comunidade Solidária, de Ruth Cardoso. A partir daí, pelo que sei,  o Brasil está se tornando uma referência mundial no que diz respeito ao terceiro setor, com ampla mobilização das elites no que se convencionou chamar Responsabilidade Social.

Betinho


Mas será que só isto explica o que se vê no Rio?
Acho que não. Me vem na cabeça um outro conceito: o de pertencimento

"A sensação de pertencimento significa que precisamos nos sentir como pertencentes a tal lugar e ao mesmo tempo sentir que esse tal lugar nos pertence, e que assim acreditamos que podemos interferir e, mais do que tudo, que vale a pena interferir na rotina e nos rumos desse tal lugar."


“Em todos os lugares, cada vez mais, as pessoas sentem a
necessidade de crer e de se inserir em locais de pertencimento. Assim, à
medida que cresce o global, também se amplia o sentimento do local’. (...)
‘As razões desse paradoxo são múltiplas, entre as quais mencionemos a
seguinte: a globalização, sinônimo de mercantilização do mundo, introduz
localmente um tipo de incerteza e de vertigem na mente humana. Uma das
maneiras de reagir a isso consiste na busca da certeza de que somente a
proximidade pode garantir, até certo ponto, o sentimento de pertencer.”
(Zaoual, 2003: 21) 
 
Desta forma vemos os Moto-clubes, os radio-amadores, a Cruz Vermelha, o Facebook, o condomínio. A sua rede. A que voce pertence, agindo, interferindo, ajudando, transformando a realidade.
É uma hipótese, e certamente é assunto para muita discussão.


Leia o trabalho de Joanildo A. Burity
IDENTIDADE E MÚLTIPLO PERTENCIMENTO NAS PRÁTICAS ASSOCIATIVAS LOCAIS

Ou será que quem tem razão há muito tempo é o Quiroga e a busca pelo bem comum já está escrita nas estrelas, é inevitável.


21/01/2011
AR DE ATRASO.
Data Estelar: Sol ingressa no signo de Aquário; Lua ainda é Cheia em Leão.
Todas as sociedades que se destacam e merecem ser chamadas de civilizadas respeitam o bem comum. Esse respeito é exemplo vivo demonstrado pelos governos e leis promulgadas, assim como também pela maneira criteriosa com que o dinheiro dos impostos é utilizado. Com o exemplo vindo de cima, as pessoas comuns praticam o mesmo. Evidentemente, haverá essas ou aquelas que continuarão com suas práticas egoístas, atentando contra o bem comum, mas serão de escasso número. Enquanto isso, nas sociedades em que os governos, leis e exemplo dos que ocupam cargos importantes não demonstram o respeito pelo bem comum, raras serão também as pessoas que se ocuparão com isso e a sociedade como um todo transpirará ar de atraso.


Agora, como a sociedade vai se comportar nos próximos meses, passado o impacto inicial é a grande questão. Como está o Morro do Bumba, você sabe?

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